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12 September 2008 05:15

WWW.FPESSOA.COM.AR .::. Tabacaria

Para este poema Pessoa encarou a hipótese de outro título: Marcha Da Derrota, ainda foi impresso nas provas da Presença. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. Falhei em tudo. Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa. Fui até ao campo com grandes propósitos. Mas lá encontrei só ervas e árvores, E quando havia gente era igual à outra. Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar? Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! Gênio? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu, E a história não marcará, quem sabe?, nem um, Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. Não, não creio em mim. Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas! Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? Não, nem em mim... Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando? Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -, E quem sabe se realizáveis, Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo, Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu. Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, Ainda que não more nela; Serei sempre o que não nasceu para isso; Serei sempre só o que tinha qualidades; Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, E ouviu a voz de Deus num poço tapado. Crer em mim? Não, nem em nada. Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo, E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha. Escravos cardíacos das estrelas, Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; Mas acordamos e ele é opaco, Levantamo-nos e ele é alheio, Saímos de casa e ele é a terra inteira, Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei A caligrafia rápida destes versos, Pórtico partido para o Impossível. Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, Nobre ao menos no gesto largo com que atiro A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas, E fico em casa sem camisa. (Tu que consolas, que não existes e por isso consolas, Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê - Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire! Meu coração é um balde despejado. Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco A mim mesmo e não encontro nada. Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, Vejo os cães que também existem, E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) Vivi, estudei, amei e até cri, E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu. Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente Fiz de mim o que não soube E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. Deitei fora a máscara e dormi no vestiário Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo E vou escrever esta história para provar que sou sublime. Essência musical dos meus versos inúteis, Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse, E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, Calcando aos pés a consciência de estar existindo, Como um tapete em que um bêbado tropeça Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada E com o desconforto da alma mal-entendendo. Ele morrerá e eu morrerei. Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos. A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também. Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, E a língua em que foram escritos os versos. Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra, Sempre o impossível tão estúpido como o real, Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?) E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. Semiergo-me enérgico, convencido, humano, E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Sigo o fumo como uma rota própria, E gozo, num momento sensitivo e competente, A libertação de todas as especulações E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto. Depois deito-me para trás na cadeira E continuo fumando. Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.) Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela. O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?). Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. (O Dono da Tabacaria chegou à porta.) Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu. No soy nada. Nunca seré nada. No puedo querer ser nada. Aparte de eso, tengo en mí todos los sueños del mundo. Ventanas de mi cuarto, De mi cuarto de uno de los millones del mundo que nadie sabe quién es (Y si supieran quién es, qué sabrían?), De ahí para el misterio de una calle cruzada constántemente por gente, Para una calle inaccesible a todos los pensamientos, Real, imposíblemente real, cierta, desconocídamente cierta, Con el misterio de las cosas por debajo de las piedras y de los seres, Con la muerte por la humedad en las paredes y pelos blancos en los hombres, Con el Destino conduciendo la carroza de todo por la avenida de nada. Estoy hoy vencido, como si supiera la verdad. Estoy hoy lúcido, como si estuviera para morir, Y no tuviera más hermandad con las cosas Sinó una despedida, tornándose esta casa y este lado de la calle La hilera de carruajes de un convoy, y una partida silbatada De dentro de mí cabeza, Y una sacudida de mis nervios y un crujir de huesos en la ida. Estoy hoy perplejo, como quien pensó y creyó y olvidó. Estoy hoy dividido entre la lealtad que debo A la Tabaquería del otro lado de la calle, como cosa real por fuera, Y a la sensación de que todo es sueño, como cosa real por dentro. Fallé en todo. Como no hice propósito ninguno, tal vez todo fuera nada. El aprendizaje que me dieron, Descendí de ella por la ventana de los fondos de la casa. Fui hasta el campo con grandes propósitos. Mas allá encontré sólo hierbas y árboles, Y cuando había gente era igual a la otra. Salgo de la ventana, me siento en una silla. En qué he de pensar? Qué se to de lo que seré, yo que no sé lo que soy? Ser lo que pienso? Pero pienso tanta cosa! Y hay tantos que piensan ser la misma cosa que no puede haber tantos! Genio? En este momento Cien mil cerebros se conciben en sueño genios como yo, Y la historia no marcará, quién sabe?, ni uno, Ni habrá sinó mierda de tantas conquistas futuras. No, no creo en mí. En todos los manicomios hay enfermos locos con tantas certezas! Yo, que no tengo ninguna certeza, soy más cierto o menos cierto? No, ni en mí... En cuántas mansardas y no-mansardas del mundo No estan en este momento genios-para-sí-mismos soñando? Cuántas aspiraciones altas y nobles y lúcidas - Sí, verdaréramente altas y nobles y lúcidas -, Y quién sabe si realizables, Nunca verán la luz del sol real ni hallarán oidos de gente? El mundo es para quien nace para conquistarlo Y no para quien sueña que puede conquistarlo, aunque tenga razón. Tengo soñado más que lo que Napoleón hizo. Tengo apretado al pecho hipotético más humanidades que las de Cristo, Tengo hechas filosofías en secreto que ningún Kant escribió. Mas soy, y tal vez seré siempre, el de la mansarda, Aunque no viva en ella; Seré siempre el que no nació para eso; Seré siempre sólo el que tenga cualidades; Seré siempre el que esperó que le abriesen la puerta al pie de una pared sin puerta, Y cantó la canción del Infinito en una capoeira, Y oyó la voz de Dios en un pozo tapado. Creer en mí? No, ni en nada. Derrameme la Naturaleza sobre la cabeza ardiente Su sol, su lluvia, el viento que me halla el pelo, E el resto que venga si viene, o tenga que venir, o no venga Esclavos cardíacos de las estrellas, Conquistamos todo el mundo antes de levantarnos de la cama; Mas despertamos y él es opaco, Nos levantamos y él es ajeno, Salimos de casa y él es la tierra entera, Más el sistema solar y la Via Láctea y el Indefinido. (Come chocolates, pequeña; Come chocolates! Mira que no hay más metafísica en el mundo sinó chocolates. Mira que las religiones todas no enseñan más que la confitería. Come, pequeña sucia, come! Pudiera yo comer chocolates con la misma verdad con que comes! Pero yo pienso y, al tirar el papel de plata, que es de hoja de estaño, Dejo todo por el suelo, como hube dejado la vida.) Pero al menos queda de la amargura de lo que nunca seré La caligrafia rapida de estos versos, Pórtico partido para el Imposible. Pero al menos consagro a mí mismo un desprecio sin lágrimas, Noble al menos en el gesto largo con el que tiro La ropa sucia que soy, en rol, para el decurso de las cosas, Y quedo en casa sin camisa. (Tú que consuelas, que no existes y por eso consuelas, O diosa griega, concebida como estatua que fuera viva, O patricia romana, imposiblemente noble y nefasta, O princesa de trovadores, gentilisima y colorida, O marquesa del siglo dieciocho, escotada y lejana, O cocot(*) célebre del tiempo de nuestros padres, O no sé qué moderno - no concibo bien el qué - Todo eso, sea lo que fuere, que seas, si puede inspirar que inspire! Mi corazón es un balde despejado. Como los que invocan espíritus invocan espíritus invoco A mí mismo y no encuentro nada. Llego a la ventana y veo la calle con una nitidez absoluta. Veo las tiendas, veo los paseos, veo los autos que pasan, Veo los entes vivos vestidos que se cruzan, Veo los canes que también existen, Y todo esto me pesa como una condena al exilio, Y todo esto es extranjero, como todo.) Viví, estudié, amé y hasta creí, Y hoy no hay mendigo que yo no envidie solo por no ser yo. Miro a cada uno de los andrajos y las llagas y la mentira, Y pienso: tal vez nunca vivieras ni estudiaras ni amases ni creyeras (Porque es posible hacer la realidad de todo eso sin hacer nada de eso); Tal vez hallas existido apenas, como un lagarto a quien cortan el rabo Y que es rabo para abajo del lagarto remezcládamente Hice de mí lo que supe Y lo que podía hacer de mí no lo hice. El dominó(**) que vestí era yerrado. Conociéronme después por quien no era y no desmentí, y me perdí. Cuando quise sacar la máscara, Estaba pegada a la cara. Cuando la saqué y me vi al espejo, Ya había envejecido. Estaba ebrio, ya no sabía vestir el dominó que no había sacado. Dejé fuera la máscara y dormi en el bestiario Como un perro tolerado por la gerencia Por ser inofensivo Y voy a escribir esta historia para probar que soy sublime. Esencia musical de mis versos inútiles, Quien me diera encontrarme como cosa que yo hiciera, Y no quedase siempre delante de la Tabaquería de delante, Tacoñando a los pies la consciencia de estar exisitendo, Como un tapete en que un borracho tropieza O un felpudo que los gitanos robaron y no valia nada. Mas el Dueño de la Tabaquería llegó a la puerta y se quedó en la puerta. Lo miró con el desconforto de la cabeza mal girada Y con el desconforto de la alma mal-entendiendo. Él morirá o yo moriré. Él dejará la pizarra, yo dejaré los versos. A cierta altura morirá la pizarra también, los versos también. Después de cierta altura morirá la calle donde estuvo la pizarra, Y la lengua en que fueran escritos los versos. Morirá después el planeta girante en que todo esto se dio. En otros satélites de otros sistemas cualquier cosa como gente Continuará hacienco cosas como versos y viviendo por bajo de cosas como pizarras, Siempre una cosa de frente de la otra, Siempre una cosa tan inútil como la otra, Siempre el imposible tan estúpido como el real, Siempre el misterio del fondo tan cierto como el sueño de miterio de la superficie, Siempre esto o siempre otra cosa o ni una cosa ni otra. Mas un hombre entró en la Tabaquería (para comprar tabaco?) Y la realidad plausible cae de repente encima de mí. Me semiergo enérgico, convencido, humano, Y voy a intentar escribir estos versos en que digo lo contrario. Enciendo un cigarro al pensar en escribirlos Y saboreo en el cigarro la libertación de todos los pensamientos. Sigo el humo como una ruta propia, Y gozo, en un momento sensitivo y competente, La libertación de todas las especulaciones Y la consciencia de que la metafísica es una consecuencia de estar mal dispuesto. Después me dejo para atrás en la silla Y continúo fumando. Mientras el Destino me lo conceda, continuaré fumando. (Si yo me casara con la hija de mi lavandera Tal vez fuera feliz.) Visto eso, me levanto de la silla. Voy a la ventana. El hombre salió de la Tabaquería (metiendo cambio en el bolsillo de las calzas?) Ah, lo conozco, es Estevez sin metafísica. (El Dueño de la Tabaquería llegó a la puerta.) Como por un instinto divino Estevez se dio vuelta y me vio. Me señó adiós, le grité Adios Oh Estevez!, y el universo Se me renconstruyó sin ideal ni esperanza, y el Dueño de la Tabaquería sonrió. Álvaro de Campos 15-1-1928

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